“Se, admitir a própria insignificância frente à imensidão do universo ou nossa ignorância ante os mistérios da criação pode ser considerado um ato de humildade e sabedoria, contentar-se então apenas com o imprescindível - o que nos traz e nos deixa em paz - não deve ser encarado como demérito, mas uma opção coerente: saber valorizar o que é verdadeiramente caro... por mais simples que possa parecer.”
Acredito que essa particular constatação possa sintetizar, de forma simbólica, a visão de um tradicional manezinho em relação ao mundo atual. Esse é, basicamente, o tema de “Simplório”. A sociedade capitalista que aprisiona e escraviza o ser humano, oferecendo em troca pão e circo, não consegue seduzir a todos e alguns poucos ainda sobrevivem “entre luas e marés”, à espera de uma nova safra de tainha ou da época da farinhada...
Utilizando o pescador artesanal das antigas freguesias e armações como ícone de simplicidade e desapego aos bens materiais, o fio condutor do discurso é baseado nesse “olhar ingênuo” do nativo ilhéu: “essa gente da cidade / que trabalha o ano inteiro / pensa que a felicidade / é ganhar muito dinheiro”. Aqui, tenta-se ainda fazer uma referência ao crescimento vertiginoso – e preocupante! – da Grande Florianópolis. Mas apesar da modernidade ser reconhecidamente compulsória e o processo de globalização visto como irreversível, o progresso representou, neste caso específico, apenas um “(des)conforto a mais”, sem causar impacto substancial no ritmo e na forma de viver desse pescador. Ele continua se aventurando no mar somente quando este o permite, sabe o tempo exato de plantar e de colher, e usa seu conhecimento e experiência para sabiamente discernir o que lhe é primordial. Assim, com a espontaneidade que é outro traço inativo do desterrense, nos alerta: “me escute, meu amigo / importante é atitude / construir o seu abrigo / e a família com saúde”. Auto-explicativo, o texto aponta suas prioridades: a crença nos valores morais, a determinação em conquistar seu cantinho, (um lar, sinônimo de segurança) e a preocupação com o bem-estar dos entes e do próximo. Além disso, somente o fundamental para assegurar o sustento: “a canoa bem bordada / e a rede feiticeira”. E, naturalmente, uma companheira para compartilhar os momentos de felicidade cotidiana: “a patroa ajeitada / vem cheirosa, bem faceira”. Todo esse entusiasmo fica evidente quando demonstra sua satisfação “cantando com a passarada”, certo de que “esse mundo é meu viveiro” e, se “serenou na madrugada / regou flor no meu canteiro”, entende-se que “está chovendo na minha horta!” É dessa maneira singela, que expressa sua gratidão pelo patrimônio que possui e pratica sua devoção, reconhecendo a benção da Providência Divina: “essa vida abençoada / agradeço a(o) Padroeira(o)”.
Premissa do projeto, o caráter didático pode ser observado na linguagem extremamente acessível da poesia e na melodia que busca resgatar a sonoridade das modinhas de viola, típicas do cancioneiro popular. Infelizmente, para aqueles que amam nossa cultura, tanto o personagem que inspirou a letra quanto o próprio estilo da música estão correndo “risco de extinção”. Por esta razão ela é dedicada a todos os “simplórios” da Ilha de Santa Catarina e, em especial, à memória do querido amigo Francisco Thomaz dos Santos, o "Seo Chico do Sertão”, que era, sem dúvida nenhuma, um “baita manezinho”...
Kalunga