Embora convicto que o Regi seja a pessoa mais apropriada para escrever esse texto, não poderia me furtar à responsabilidade de tecer um breve comentário, “ratificando” meu carinho por ele...
A justificativa do projeto esclarece um dos objetivos do Tributo: “homenagear alguns "ilustres anônimos", personagens fantásticos que marcaram sua trajetória pelo amor e dedicação à sua terra, disseminando a verdadeira "essência da alma ilhoa". Portanto, a intenção de enaltecer a imagem de personalidades do Ribeirão nesse trabalho não foi mero acaso. E este fator acabou sendo preponderante na seleção das músicas do CD. “Zequinha”, “Apito do Agenor” e “Rua de Cima” comprovam esta afirmação. Porém, aquela que mais traduz esse propósito é o “Rato”. Mas enfim, quem é esse “Rato”? De onde ele vem? Qual é a sua história? E, o mais importante: “por que motivo ele roeu o meu baú”? Para responder a tantas questões, recorremos à memória do Sr. Alcioneu Lucas de Barcelos. Ou simplesmente Vô Neu, como era conhecido por todos no Ribeirão. Ele e o “Rato”... criador e criatura. Ou será o contrário? Seriam eles dois, ou um só? A realidade é que é impossível compreender um sem a presença do outro. Parece confuso, mas explico.
Minhas recordações do Vô Neu são mais palpáveis a partir da adolescência, quando freqüentava o Alto Ribeirão com relativa assiduidade. Clube Bandeirante, Bar do Moisés (onde a turma devorava até ração de cachorro) e outros “points” igualmente bem freqüentados. E, para um aprendiz de boêmio, era impossível não se encantar com a figura daquele senhor franzino, de movimentos rápidos e leves, girando elegantemente o salão de baile abraçado numa bela prenda. Ou encostado em algum balcão, cercado de jovens, com um copo de uísque e um cigarro na mão, contando causos e anedotas, declamando versos e poemas. Sua índole serena e generosa, aliada a um espírito de menino permitia que ele fluísse com total desenvoltura em qualquer ambiente ou situação. Foi então que conheci o “Rato”... a música, claro! Numa das muitas e memoráveis festas da Família Barcelos, com o Regi ao violão, ele puxa o refrão, seguido pelo coral de filhos, netos e demais presentes (agregados em geral!). Contagiante, a irreverência da letra e da pegada deliciosa do maxixe soava como um delicado deboche à efemeridade da vida. Olhar para ele, do alto dos seus mais de oitenta anos, cantando e dançando feito uma criança era, sem dúvida, um convite à reflexão...
Um tempo depois, perguntei a ele quem era o compositor, qual a procedência daquela música, quando a tinha ouvido pela primeira vez, etc. Segundo o próprio, a canção era uma lembrança remota da infância, e não sabia me dizer por quem, como, onde ou quando ela havia sido feita. Parece que escondia algo e não queria revelar, como alguém que guarda um segredo no fundo de um “baú”. Sempre desconfiei dessa versão de “cancioneiro popular” que ele nos apresentava, e na minha “teoria da conspiração” o “Rato” tem sua origem numa legítima “ratoeira”... composta por ele mesmo! Inegável é que ambos possuem uma ligação intrínseca. O “Rato” se tornou o “hino do Vô Neu”, e ele interpretou esse personagem melhor do que ninguém. E foi “audacioso” e fiel, fazendo “sururus” e “parabada papás” até que, infelizmente, “chegou seu dia, afinal...”. Pois esse é verdadeiro “motivo” da existência de qualquer “Rato”: roer... até o fim.
Obrigado, eterno e insubstituível “rato velho sem-vergonha...” de ser feliz!
Obrigado, querido Vô Neu...
Kalunga